11.14.2002

Botando a boca no trombone.

Eu sabia.
Tem dias que tudo sai do avesso.
Olhem o que aconteceu com uma amiga minha.
(Por questões de segurança, omiti seus dados pessoais, como telefone, endereço e número de documentos.)

"Eu, Daniela Gabriel da Silva, cidadã brasileira, residente e domiciliada na Cidade de São Paulo, Estado de São Paulo, Bacharel em Publicidade e Propaganda, pela Pontifícia Universidade Católica - PUC de
São Paulo, tenho a relatar o que se segue.

Com os recursos provenientes de parte de uma causa trabalhista, resolvi investir no meu "sonho" de realizar um curso de Inglês na Capital da Inglaterra, gabarintando-me, para pleitear futuramente, no Brasil, um posto de trabalho, devidamente qualificada na Língua Estrangeira - Inglês.

Entrementes, como Bacharel em Publicidade, continuei, a desenvolver atividades na minha área de formação, independente de vínculo trabalhista, enquanto iniciava pesquisas, entre o Consulado Britânico, empresas, agências de estudos visando o curso pretendido. As Empresas visitadas foram STB, INTERLANG, WIND, ACADEMIA ? CURSOS E INTERCÂMBIO, as quais me ofereceram vários cursos em várias escolas e países e decidi pela Inglaterra / Londres por ser considerada o Centro Cultural do Mundo, a escolha da Escola EVENDINE COLLEGE - UNIDADE WIMBLEDON, pois a mesma tem uma boa localização, em um bairro considerado tranqüilo e bem localizado em Londres, e também por que é uma Escola que está dentro do meu poder aquisitivo.

No dia 09/11/2002 embarquei em São Paulo no Aeroporto de Cumbica, Guarulhos no vôo 1576, levando comigo:
1 - Passaporte
2 ? 960 libras ( não levei mais libras pois a moeda estava em alta no Brasil e minha família estaria enviando o dinheiro assim que eu precisasse).
A quantidade de libras que levava dava para sustentar tranqüilamente por 02 meses e meio aproximadamente, e em nenhum momento o Oficial de Imigração, me questionou se eu tinha a intenção de trabalhar, o que me seria de direito já que o próprio Consulado Britânico no Brasil informa que todo estudante matriculado a partir de 06 meses em um curso de 15 horas / semanais tem o direito a trabalhar 20 horas / semanais durante o período letivo e em tempo integral nos períodos de férias escolares.
3 ? Carteira Internacional de Estudante, emitida com nome da instituição EVENDINE COLLEGE UNIDADE WIMBLEDON.
4 02 cartões de Crédito Internacional.

Após um vôo de 12 horas aproximadamente, desembarcamos, eu e mais duas amigas, que também, como eu iriam freqüentar curso na Escola EVENDINE COLLEGE UNIDADE WIMBLEDON e igualmente ficariam hospedadas com a família no endereço.
Mrs. JERSEY , Victoria
End. 06 Worple Avenue
Wimbledon SW 194JZ
Tel: (00xx44) 208-9464872

Ao adentramos ao Aeroporto de HEATHROW em Londres, fomos encaminhados ao Serviço de Imigração, após a inspeção alfandegária, onde aconteceu o seguinte:

1 um oficial de imigração preencheu o seguinte formulário: - Thome Office Form IS81: Notice to a Person Required to Submit to Further Examination. Em seguida fui revistada por uma policial feminina e as cópias autenticadas de meus documentos, apreendidas, cópias estas que fui orientada a levar para minha própria segurança.
2 a brasileira PATRÍCIA ISODA, descendente de japoneses teve sua entrada permitida sem incidentes, após entrevista.
3 a brasileira SIMONE DE SOUZA KERBEKIAN, solicitou ajuda de interprete e após entrevista ficou retida em uma sala na imigração, onde ficamos incomunicáveis.
4 Eu, DANIELA GABRIEL DA SILVA, brasileira, tendo solicitado auxílio de interprete, me foi solicitado que aguardasse. Tempos depois uma Oficial de Imigração solicitou que eu a acompanhasse, sendo que a mesma não falava o meu idioma, tratando-me de forma rude pois não me compreendia; fez com que eu pegasse minha bagagem, abriu todas as minhas malas e bolsas, retirando tudo o que tinha dentro e contando o meu dinheiro; em seguida fui revistada e a mesma reteve a cópia dos meus documentos. Logo em seguida a Oficial de Imigração encaminhou-me para a sala de Imigração onde fui novamente questionada sobre a quantidade de dinheiro que levava e abriram novamente minha carteira. Fiquei aguardando nesta sala, até que um Oficial de Imigração e uma interprete pediram que eu os acompanhasse. Fui submetida a um questionário de aproximadamente 40 perguntas onde a Oficial Inglesa, questionava a interprete (de nacionalidade Portuguesa) e a mesma merepassava a questão. Fui questionada sobre o que ia fazer em Londres ?estudar é claro, já que estava com uma carta da Escola EVENDINE COLLEGE UNIDADE WIMBLEDON, com um curso pago por 26 semanas.
- o que fazia no Brasil? Informei que não existia no momento atual um contrato formal de trabalho, porém informei que fazia free-lancers como designer gráfico e consultoria na área de comunicação e que tinha alguns clientes aqui no Brasil.
- perguntaram-me sobre o interesse na Língua Inglesa, e eu disse que era para desenvolvimento profissional e que já havia cursado inglês na Instituição SENAC ? Unidade Santana e que buscava fluência na língua
inglesa.
- quem estaria me ajudando no Brasil? Respondi novamente que minha família.
- se eu achava que 03 horas diárias seriam suficientes para atingir meu objetivo? Disse que acreditava que sim, pois estaria estudando fora do meu horário na escola e que teria todo o ambiente propicio para desenvolver a conversação e entendimento da língua inglesa.

Após ter sido mantida incomunicável acerca de 06 horas, foi-me comunicado que não me seria permitido entrar e permanecer em Londres, pressuposto que após 26 semanas não retornaria de Londres ao Brasil. Solicitando poder entrar em contato com minhas amigas e fazer um telefonema para o Brasil, foi-me dito, que elas já haviam sido informadas que eu não permaneceria em Londres e não me foi cedido o direito de fazer ligação e que o vôo para Lisboa sairia em 20 minutos e que eu deveria apressar-me.

De maneira célere tive que novamente passar pelo Serviço Alfandegário, sendo colocada de maneira acintosa, na frente dos demais passageiros, juntamente com outro rapaz que também estava sendo impedido de entrar no país.

Em Lisboa ao chegar às 21h 30 mim, foi-me informado que eu teria vôo no dia seguinte (11/11/02) às 10:00 horas da manhã, e me foram oferecidas as opções:

1- permanecer no Saguão do Aeroporto de Lisboa com o Agente de Imigração
o tempo todo ao meu lado, ou;
2 - dirigir-me ao local "Centro de Deportados", onde poderia comer, tomar banho e pernoitar. Esta opção foi por mim aceita por julgá-la mais segura e menos humilhante.

Ao chegar ao local "Centro de Deportados" deparei-me com pessoas provenientes dos mais diversos países africanos, sudaneses, senegaleses em situação de lutas, de guerra civil, guerra racial, refugiados, pessoas sem passaportes que ali estavam já há algum tempo. Tínhamos em comum a cor da pele, a tristeza e a decepção. Eu não era uma refugiada. Estava entrando em Londres como estudante, devidamente matrícula na Escola EVENDINE COLLEGE UNIDADE WIMBLEDON.

Após uma noite em vigília, humilhada, física e moralmente abalada embarquei de volta para o Brasil em 11/11/02, após 13 horas de partida para uma viagem de estudos e qualificação.

Ao retornar à minha família, ao meu país, indago dos senhores, em face às circunstâncias e fatos narrados:

1. qual o critério usado para avaliar a permissão de 03 pessoas que viajam juntas na mesma condição, sendo que a brasileira PATRÍCIA ISODA, descendente de japoneses, consegue um visto de estudante com permissão para trabalhar; a brasileira SIMONE DE SOUZA KERBEKIAN, consegue visto de turista e é alertada pela Oficial de Imigração que ela deveria se retirar imediatamente do Aeroporto de HEATHROW, e que não olhasse para trás, pois a amiga dela no caso "eu" estaria voltando para o Brasil; e eu DANIELA GABRIEL DA SILVA, brasileira e Negra, sou impedida de entrar no país, sendo tratada como uma meliante e como se não bastasse sou detida em Portugal / Lisboa e sofrendo inúmeros constrangimentos morais.

2. como um Oficial de Imigração do país onde a palavra é a Lei, o Direito é Costumeiro, simplesmente pode desconfiar de uma pessoa, sem ao menos checar os dados da Escola EVENDINE COLLEGE - UNIDADE WIMBLEDON, onde meus estudos já estavam pagos, como também a casa de família da Mrs. JERSEY, Victoria que já estava me aguardando onde já possuía hospedagem reservada. Será que o Oficial de Imigração estava apto a exercer tal função.

3. Eu não entendo o fato da Capital Inglesa não querer me receber, e não aceito o fato de ter ficado detida e ter sido tratada como meliante.

4. quem responderá pelo abalo moral sofrido por mim, minha mãe (aposentada), minha irmã, funcionária há mais de 15 anos do Centro Paula Souza, meu irmão, funcionário da Bovespa por mais ou menos 20 anos e atualmente prestando serviços em forma de um convênio assinado entre a Bovespa e a Força Sindical
para antigos funcionários que estavam desempregados?

5. Quem responderá pelos investimentos financeiros por mim feitos como:
- passagens,
- R$ convertidos em libras para minha manutenção durante o Curso,
- aquisição de vestuário de inverno e outros pertences para viver em Londres por 26 semanas,
- acomodação e
- outras despesas?

6. por que o Consulado Britânico realiza uma Feira de Educação em Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, divulgando aos brasileiros suas escolas, seus cursos, se o cidadão brasileiro, ao chegar a Londres não pode ficar e realizar o curso na Escola escolhida?

7. Entrei em contato com o BRITISH COUNCIL falei com Adriana e Roberta e me foi informado que eles recomendam uma escola reconhecida pelo Conselho Britânico, mas que a escolha de uma outra escola não impede a entrada noReino Unido, de fato pois as duas pessoas que estavam comigo conseguiram o
visto.

8. teria sido a cor da minha pele negra e minha nacionalidade brasileira?

9. teria sido minha condição de graduada, atualmente prestando serviços sem contrato formal de trabalho, nestes anos caracterizados pela globalização da economia e recessão mundial, em que postos de trabalho são extintos e o que se vê é um número grande de jovens e adultos exercendo suas qualificações na
maior informalidade? Em suma existe TRABALHO e NÃO EMPREGO?

10. Tenho sorte por ter escolhido uma agência séria ACADEMIA ? CURSOS E INTERCÂMBIO que organizou a minha viagem, e que está me prestando toda a Assessoria e providenciando o reembolso das taxas e curso pago. Mas certamente, a ACADEMIA ? CURSOS E INTERCÂMBIO não poderá ressarcir, meu prejuízo moral e todo o tempo que investi planejando esta viagem.

Finalmente, como cidadã brasileira e "DA SILVA", como o é o nosso futuro Presidente, a ser empossado em 01/01/2003, exijo, que o País de Sua Majestade a Rainha Elisabeth II, mas que também é a do 1º Ministro do Partido Trabalhista TONI BLAIR respondam por que MISS DA SILVA não pode estudar em Londres?

São Paulo, 13 de novembro de 2002


DANIELA GABRIEL DA SILVA
"

***

Recebi a mensagem dela com lágrimas nos olhos.

Preconceito, não só o racial, é um crime absurdo, baixo e infundado.

Não tenho muitas opções para ajudar a Dani, a não ser repassar esse mail de desabafo dela pra vocês, MEUS AMIGOS, solicitando ajuda e solidariedade, principalmente aos que mantém contato com a imprensa.

E estender a minha mão amiga à ela, unindo a minha voz para exigir explicações.

Temos que aprender a conviver como seres humanos.

Isso tem que ter um basta.

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