10.12.2004

I wanna be in Neverland

Ela teve a melhor das infâncias. Cresceu sorrindo, brincando, sonhando. Tinha um baú de fantasias. Um dia era princesa, um dia a bruxa, para no seguinte, ser uma tartaruga ou uma bailarina. Vivia organizando teatros e shows para a família. Fez ballet, artesanato. Aprendeu a nadar, a andar de bicicleta, de cavalo e de perna de pau. Tinha bonecas lindas e brinquedos modernos que emitiam luzes e sons. E também os caseiros, como o balanço em forma de galo, o cavalo de madeira e o avião-do-vento. Teve o privilégio de colher fruta no pé, rolar pelo gramado com os cachorros, aprendeu a amar e respeitar a mãe natureza. Adorava comer tomate gelado com sal, na frente da TV, aguardando seus desenhos preferidos começarem. Dia de feira era a coisa mais deliciosa. E voltava para casa com seu mini-carrinho, cheio de guloseimas, de geleinha de mocotó a salgadinhos dos mais diferentes formatos e sabores. Tinha uma piscininha só sua, e era a sereia naquele mar. Mas curtia mesmo era escorregar pelo cano e cair no riozinho que havia ali perto. E a casinha de bonecas, com móveis do seu tamanho e até uma lousa. Uma Branca de Neve com sete anões guardava a entrada do seu mundo particular. Ali, tinha dias de professora e dias de mamãe. Dias de filhinha e dias de cozinheira do restaurante. Com a primaiada, tinha as brincadeiras mais mirabolantes. Desde um simples esconde-esconde até montar uma cidade inteira no campinho de futebol, para andar de bicicleta. Coloriu o mundo com seus lápis de cor. Os discos eram um espetáculo a parte. Adorava colocar as músicas no último volume, vestir as roupas das irmãs mais velhas e dançar até não aguentar mais. Para cada música, uma nova coreografia. Fechava os olhos e via uma famosa bailarinha, em pleno palco, para uma platéia imaginária. Mas ouvia os aplausos. E os livros, então? Cada um trazia em si um novo mundo, cheio de riquezas diferentes, que davam asas à sua imaginação. Teve cachorros, gatos, tartarugas, peixes, galinha e coruja. Colecionou formigas. Catava borboletas e guardava-as embaixo de uma cesta, para depois soltá-las todas juntas. As caixinhas de fósforo eram suas lanternas, cheias de vaga-lumes dentro. Viajou pelos quatro cantos. Cresceu assim, cercada de amor e carinho. Já adolescente, percebeu que o mundo era pequeno para o tamanho de seus vôos. Dançou, paquerou, beijou, apaixonou-se, chorou por amores não correspondidos, apaixonou-se de novo, chorou de novo, e de novo, e de novo. Riu muito, até perder o ar. Dividiu segredos, teve ídolos, aprendeu a patinar, virou noites em claro em ótimas companhias. E continuou sendo amada e querida. Cresceu, formou-se professora, passou no vestibular, fez Psicologia, desistiu. Começou a trabalhar. Fez Direito, formou-se. Aprendeu a dirigir, a cozinhar e mais um sem-fim de coisas. Tornou-se uma adulta responsável, uma profissional exemplar, uma acadêmica com boas notas. E continou sonhando, rindo, brincando, apaixonando-se, chorando, dançando e cantando. Mas algumas pessoas não conseguem entender isso. Que, se tudo isso que foi vivido, o foi com tanta intensidade e de modo tão maravilhoso, pode ser trazido através do tempo-espaço. Pode-se reviver tudo isso, sempre. Que gostar de coisas que remetem à uma infância/adolescência feliz, fazem dela uma mulher tão feliz quanto. Isso não significa imaturidade, irresponsabilidade ou negação da vida adulta. Basta aparecer uma pessoa com esse perfil e já vêm os analistas de plantão achar uma classificação (KIDults) ou apontar uma série de distúrbios. Crescer não significa abandonar sonhos, vontades, pequenas alegrias diárias, risadas com um desenho bobo ou a coleção de miudezas. Pelo contrário. É juntar tudo o que foi bom às novas descobertas. É resgatar imagens, cheiros, cores e sons. É acrescentar. E continuar sendo amada e querida. Abaixo os adultos sizudos, ranzinzas, mal humorados, workaholics, que largaram no passado remoto e soterrado as lembranças de uma infância leve e feliz.
Manhê, quando eu crescer eu quero é ser criança!!!



Um feliz dia das crianças praqueles que vivem a infância independente da idade.

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