1.10.2003

O segundo andar

Eu voltei a me sentar com Iyanla, em meio ao silêncio quase fúnebre que a falta de energia elétrica proporciona. Incrível. Quanto tempo faz que eu estacionei no primerio andar? Alguns meses, não? E a querida Iyanla começa o capítulo falando justamente sobre isso. Nossa acomodação com relação aos fatos. E que, basta virarmos um segundo, e a poeira começa a se acumular novamente.
O ser humano é estoquista por natureza. Vai guardando, empilhando, encaixotando tudo o que mantém alguma relação afetiva consigo. Desde o ingresso daquele jogo de futebol até o guardanapo em que o ídolo limpou a boca. Mas um dia a limpeza se torna indispensável e, embora não seja o melhor trabalho, chacoalhar os lençóis da memória, passar a vassoura na teia de aranha do coração e espanar a sujeita que os relacionamentos anteriores deixaram no pós-festa se torna imprenscindível.
O meio-tempo não tem previsão de término. Mas já não é mais uma turbulência que incomoda. OK. Incomoda, sim. Mas não a ponto de paralisar, impedindo a ação, dando espaço a lamentos. No momento, ele é o alimento que impulsiona, que traz a disposição para a grande faxina na casa da vida.
Todos nós sofremos inflluências externas desde o momento em que deixamos o útero materno. E, por incrível que pareça, cada influência dessa carrega um pouco de responsabilidade pelo o que somos hoje. Desde o primeiro tapa no bundurum, que trouxe consigo o choro da vida, passando pelo olhar de reprovação dos pais à qualquer arte ou o elogio da professora pelo boletim azul. A escola, a família, os amigos da rua de trás, os vizinhos da chácara, o desenho predileto, o filme da sessão da tarde que marcou, o gibi mais-que-querido, com "aquele" super-herói. Pequenas peças que montam o quebra-cabeça da personalidade. Esse *eu* sempre será refletido nos relacionamentos com um outro *eu* - a pessoa que "escolhermos" (???) para amar incondicionalmente.
E é exatamente aí que mora o grande problema. Se nem sempre conseguimos conhecer o nosso próprio *eu*, como podemos amá-lo? E, sem amá-lo, como podemos amar o outro?!?
O meio-tempo não significa uma fase de estacionamento, na vaga mais distante, vendo o mundo passar. Significa tempo de parar e pensar, sim, mas com o radar checado e em pleno funcionamento para os acontecimentos. Viver cada presente que a Dona Vida traz, mesmo sabendo que eles não serão eternos. Mas não se deixe consumir por eles. Afinal, a grande ceia está sendo preparada. Faça pequenos lanches, leves o suficientes. Se você se empanturrar no meio tempo, não saberá apreciar a ceia. Não exija dos outros que você não tem condições de oferecer em troca. Apenas curta a viagem, e aprenda com cada nova experiência.
Mas nem tudo são flores. Muitas lágrimas de tristeza, de alegria, satisfação, dúvida, saudade, ainda correrão. Não recrimine seus sentimentos. Reconheça-os. Aceite-os. Permita-se sentir o que o coração está dizendo. Já é um grande passo para a verdade, e essa, traz autoconhecimento. E é aqui que começa o processo de cicatrização das feridas, pois temos tendência a agirmos como soldados em fúria no campo de batalha do amor. E, soldados feridos, devem se afastar para a cura.
Parar.
Respirar.
Curar.
Aprender.
Aprender a renunciar. Renunciar não significa se render, se entregar ou aceitar. A renúncia é de tudo aquilo que é visivelmente prejudicial, Maus hábitos, medo, ressentimento, pensamentos conflitantes, falsas expectativas, ilusões. Livre-se de tudo aquilo que incomoda, que aperta, que cutuca. Que assopra inverdades em seu coração. Não se preocupe. Você nunca estará sozinho. Você tem a si mesmo. E, essa, é a companhia mais agradável do momento. Você está se reconhecendo. Se conhecendo de novo. E o outro *eu, está fazendo a mesma coisa. Se preparando, enquanto o amor não vem.


...to be continued...
(Someday, somehow, I don´t know when.)




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