There should be sunshine after rain
These things have always been the same...
O cheiro de tinta fresca que exalava das paredes do corredor levou-a através do tempo e espaço, em uma viagem ao passado. Viu-se correndo para todos os lados, por todas as lojas de construção, com o pantone de todas as marcas nas mãos, escolhendo cautelosamente cada cor que vestiria a sua nova casa. E sua nova vida.
Foram meses de sonho... Cada metro quadrado de parede guardaria uma história. Ela e seu futuro marido pintaram cada cantinho que os receberia após o sim. Entre uma pincelada e outra, muitas risadas, pizza com garfinhos de fondue, já que os talheres não haviam chegado, choque na tomada após tentar texturizar a parede vermelha com palha de aço, comida japonesa, enrolações com fita crepe, algumas pequenas discussões porque a cor escolhida não era exatamente aquela, guerra de pincéis, confusão na hora de colocar o border da cozinha, os olhos brilhando ao resultado final... O número 71 foi virando o melhor lugar do mundo. O azul-da-cor-do-céu do quarto se fundia com o azul-da-cor-do-mar do banheiro, mas era intermediado pelo amarelinho-pudim-de-baunilha da sala e o vermelho-vivo-paixão-à-toda-prova do escritório. Nesse sonho, ela vestia um lindo vestido branco, tal qual os lisiantos que rodeavam uma vistosa braçada de trigos verdes, e caminhava lentamente ao som de The Celts por um tapete marinho como a noite, salpicado de pequenas pétalas coloridas. Mas, aos poucos, tudo começou a escurecer. Ela não podia mais enxergar as cores que a rodeavam. A melodia colorida que envolvia sua nova vida parou de tocar repentinamente. E ela percebeu que havia sido apenas um sonho. Que desmoronou, se desfez em dias e voltou a habitar seu imaginário. Como se as paredes tivessem retido todo o carinho, atenção, sinceridade, amor e verdades do mundo. 71 virou um lugar frio, vazio e sem cor. Seu castelo parecia desabar, mas ela não se rendeu. Suas lágrimas regaram as tulipas do quarto e os girassóis da sala, hoje mais amarelos que nunca. Assustada, invocou as brumas, para que protegessem seu esconderijo de novas invasões de bárbaros impiedosos, de sanguessugas, de saqueadores de sentimentos. O único lugar onde ela podia se despir das carapaças protetoras, tirar sua armadura e ser ela mesma, corria o risco de sumir do mapa. Hoje, 71 é um caern sagrado, protegido por seres mágicos, onde ela repõe suas energias, vive momentos de auto-conhecimento no silêncio da madrugada, pratica a cura, compartilha amor em forma de tufos de algodão ou colheradas doces que envolvem as risadas sem fim. As almofadas espalhadas no chão têm braços enormes, que envolvem e acalmam os mais aflitos. O capacho de entrada é feito de nuvens, pra que todos se sintam à vontade desde a entrada. A cozinha é um espetáculo a parte, que magicamente recupera estômagos desesperadamente vazios. É ali, em seu humilde castelo, que ela veste seu melhor sorriso e recebe fadas, anjos, duendes, felinos, pequenos e grandes ursos, ervilhas que falam, nobres cavaleiros da espiral azul, pinguins, ninfas, sereias, bardos contadores de histórias, princesas e rainhas, que renovam o astral, trazem alegria, luz, som e cor. Pequenas estrelas brilhantes que, aos poucos, devolvem o azul-do-céu ao seu pequeno e aconchegante quarto. Mal sabem eles que, a cada visita, devolvem a ela, também, o direito de voltar a sonhar.
...So why worry now???
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