10.25.2002

Uma história em quatro atos

Cena um

Junho/2002. Larinha, companheira de todas as baladas, sempre a postos para chacoalhar o esqueleto, vai, contra a sua vontade, em uma boate GLS. Como era por uma boa causa, acabou até brincando de caixa. Pra tentar espantar a frustração de ver tanto homem lindo e indisponível, dança muito, ri com seus amigos, bebe pouco pois estava ao volante, mas brinca com todo mundo. A noite termina e ela ganha de presente do seu amigão uma camisinha que ele havia ganho em um sorteio da casa. Faz algumas brincadeiras e guarda a dita cuja na bolsa. Muito bem guardada, pra evitar que a danada salte para fora em algum local impróprio, em uma hora inoportuna, causando constrangimento à portadora da relíquia.



Cena dois

Larinha é uma motorista prudente.
Dirige o asterisco móvel com cautela.
Não ultrapassa faróis vermelhos (tá, só de madrugada, após certificar-se que é seguro).
Nunca foi multada.
Nunca foi parada em Operação Bloqueio.
Nunca bateu o carro.
Nunca trancou o carro com as chaves dentro.
Mas vive esquecendo a porta ou os vidros abertos.
Tem toda a documentação em ordem.
De IPVA ao Seguro.
De vez em quando esquece coisinhas básicas como calibrar pneus ou colocar água no mijador do pára-brisa.
Mas gasolina sempre tem.
Porque já viveu uma experiência traumática as 3 da manhã em plena Anhanguera, em noite chuvosa.
Culpa dela.

Cena três

Larinha sofre de Complexo de Édipo.
É apaixonada pelo próprio pai.
Um senhor muito fofo, de cabelinhos brancos, olhos azuis-da-cor-do-céu, de humor oscilante e um leve sotaque gaúcho.
Que, no melhor estilo Marcelo, Marmelo, Martelo, inventa nomes para as coisas. (O mijador, da cena anterior, foi batizado por ele).
Sempre a postos, faz tudo para agradar os filhos (e olha que somos em Quatro).
Sou a caçula.
Mas isso não me faz mais mimada que os outros três.
Somos tratados em pé de igualdade, sempre.
Cheios de atenções e carinhos.

Cena Quatro

Outubro/2002.
Depois de 3 anos, Larinha resolve fazer balanceamento, cambagem, rodízio de pneus e o escambau a quatro.
Mas não há tempo disponível para isso.
Com olhinhos brilhantes e carinha de cachorro pidão, olha pro Papai.
Um dia com choffer.
Papai leva Larinha ao serviço pela manhã, avisando que vai dar um jeito no Asterisco Móvel.
A noite, vai buscá-la.
Larinha, ao volante. - Nossa, pai. O carro ficou bom!!!
Cabelos de Algodão - Gostou, filha? Tá macio? Sabe, sua roda traseira ficou lá pra arrumar. Essa é emprestada. Não sei onde você subiu que ela estava quadrada. Parecia da pré-história. Onde você amassou a roda daquele jeito?
Larinha - Ih, pai. Sei não. Eu vivo caindo em buraco. Também. Olha isso. Você desvia de um e cai no outro. Tá tudo esburacado.
Cabelos de Algodão - Ah. E eu arrumei sua carteira de documentos do carro. Que bagunça. Você guarda tudo lá. Eu só não tinha uma carteira nova pra te dar
Larinha Brigada, pai. Não precisa.. aquela tá velhinha, mas tá boa ainda. Eu guardo tudo. vou juntando papel que não tem mais fim. De vez em quando eu tiro um dia pra fazer a limpa
Cabelos de Algodão - É. Tinha ticket de Mc Donald"O"s, papel de banco.. Os documentos antigos eu guardei, deixei só os novos. Ah, e não se preocupa. *colocando a mão na ombro, acalmando a filha*. A camisinha eu deixei lá onde estava, viu.
Larinha - o.Ô , tendo uma crise, arregalando os olhos, engasgando, tentando justificar, matraqueando sem parar. - Não pai. *riso nervoso* Nossa! Eu tinha até esquecido daquela camisinha. Eu ganhei numa festa. Nossa! Deve até estar com a validade vencida, heuiaheiuahueiai. Falta de uso. Ce viu? Nem marca tem. É aquelas do Ministério da Saúde. Ce viu a validade? Nossa. Tinha esquecido.
Cabelos de Algodão - Não filha, eu deixei lá. É bom ter. Um dia você pode precisar. É bom saber que você é uma moça prevenida. Não vê na televisão o monte de doenças que você pode pegar? Deixa ela lá. Vai que você precisa usar.
Larinha, com cara de tamanco, da cor de um caqui maduro, em silêncio, até em casa, querendo enfiar a cara em um buraco e não a roda.

E, depois, em casa, suportando o riso de todos, pois a história foi novamente contada (sim, Cabelos de Algodão tem mania de repetir as histórias 300 vezes, em todos os detalhes. E ai de você se não prestar atenção.)

Deixa, tá.
Eu tenho o melhor pai do mundo.
E isso é o que realmente importa.



***
Fim.








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